Destruição do Sector Social

Ontem, 11/07/2019, mais uma vez com pompa e circunstância e uma gigantesca hipocrisia à mistura, o Governo e os representantes do Sector Social – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), União das Misericórdias Portuguesas (UMP), União das Mutualidades Portuguesas (UMP) e Confederação Cooperativa Portuguesa, CCRL  (CONFECOOP) anunciaram a assinatura do Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário para o Biénio 2019-2020. É doloroso e chega a ser mesmo repugnante ouvir o discurso hipócrita do Primeiro-Ministro que com um rol de mentiras e uma enorme teatralidade, ainda por cima acaba a cerimónia com abraços aos supostos representantes do Terceiro Sector.

É incrivelmente estranho como é que, as entidades que supostamente representam o Sector Social, assinaram este Acordo (e assinaram Acordos anteriores a estes) que sabem que prejudica imenso o Terceiro Sector em Portugal e prejudica precisamente as Instituições que supostamente deveriam defender. É legítimo, pois, perguntar que interesses obscuros existirão para que tal aconteça. Senão vejamos:

1. Desde que este Governo entrou em funções, com o apoio parlamentar dos “fascistas de esquerda (FE)” (BE, PCP, PEV, PAN e a ala extrema esquerda do PS) os custos para as entidades sem fins lucrativos (IPSS, Misericórdias, Mutualidades, Cooperativas e outras) aumentaram brutalmente, a saber: Taxa Social Única num total de 2,7%; Salário Mínimo Nacional em 115€; obrigatoriedade de contratualização de mais trabalhadores e diversas taxas e taxinhas. Isto sem que a contrapartida para este aumento de custos fosse sequer, também ela, aumentada nalguns casos (como os Cuidados Continuados) e noutros casos com pequenos aumentos que não compensam a subida dos custos. Aliás, o estudo encomendado pela CNIS à Universidade Católica do Porto em Dezembro de 2018 («Importância Económica e Social das IPSS em Portugal»), demonstra que uma percentagem elevada de Instituições ou está falida ou à beira de falir, “situação que se agravou nos últimos 3 anos” (entenda-se desde que o Governo entrou em funções).

2. Esta maioria de FE abomina tudo o que é privado (mesmo que sem fins lucrativos) pois entende que tudo tem de ser Estado, perseguindo o Sector Social sob todas as formas possíveis com o objectivo último de o exterminar. Veja-se o recente caso da discussão da Lei de Bases da Saúde: não é algo com o qual concorde, pois defendo mais Sector Privado e menos Estado, mas já tive oportunidade de, na Comissão de Saúde do Parlamento, defender, por duas vezes, que o Estado, se quiser, até pode nacionalizar o Sector Social – 99% das pessoas que lá trabalham não se importa de se tornar funcionário público: acabam-se os salários em atraso e passam a ganhar mais e a ter melhores regalias. O Estado arranja é um problema: o Orçamento de Estado, no mínimo, duplica, pois como o Estado paga miseravelmente e abaixo do preço de custo às entidades sem fins lucrativos, terá pois de despender muito mais para o mesmo serviço.

3. Uma das pessoas que, recentemente, disse publicamente que não aceitaria menos de 4% de aumento neste Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário para o Biénio 2019-2020 (veja aqui) foi o líder da CNIS, Padre Lino Maia. Mas afinal assinou-o com aumentos por parte da Segurança Social de 3,5%, porque para os Cuidados Continuados nem sequer existiram aumentos o que constitui uma enorme discriminação e atitude persecutória por parte do Governo.

Estranho, pois, esta atitude como estranho também que a CNIS, que supostamente representa as IPSS suas associadas, tenha nos seus órgãos sociais tudo menos representantes de IPSS; até ex-dirigentes da Segurança Social estão nos órgãos sociais da CNIS, estão todos menos quem lá devia estar.

4. Uma outra pessoa que fez declarações estranhíssimas e que merecia, no mínimo, aprofundamento de investigação jornalística, foi o Presidente da União das Misericórdias. Em declarações à LUSA referiu que este é um bom Acordo e que os 3,5% de actualização (apenas para as áreas sociais pois para os Cuidados Continuados o aumento foi ZERO) vão permitir aumentar salários aos trabalhadores das Misericórdias. Ora as Misericórdias representam 50% da Rede de Cuidados Continuados e têm prejuízos enormes e dificuldades financeiras gravíssimas com os Cuidados Continuados. Como é que alguém pode fazer estas afirmações, na sequência de um não aumento e estiveram 8 anos sem revisão de preços a pagar pelo Estado?

5. Outra situação estranha, e que merecia melhor análise, é o facto das 3 entidades que sempre assinaram estes Acordos (CNIS, União das Misericórdias e União das Mutualidades) aceitarem assinar Acordos que sabem ser prejudiciais às Instituições que, supostamente, deveriam defender. A CONFECCOP é a única entidade que tenta lutar contra este estado de coisas, mas sente-se afastada pelas outras 3, entrou nesta negociação apenas no ano passado (na assinatura da Adenda ao Compromisso de Cooperação para 2018).

6. Razão têm, e com os quais estou solidário, os funcionários das IPSS e das Misericórdias que se manifestaram no passado dia 7 de Junho, em protesto contra os baixos salários que recebem das suas entidades patronais, que por sua vez não conseguem pagar mais, e dar mais regalias, porque são exploradas por um Governo que dá um bónus aos restaurantes e hotéis baixando o IVA de 23% para 13%, diminuição essa que representa 375 milhões de euros. Com este dinheiro, o Governo podia e devia pagar o valor justo às entidades sem fins lucrativos e, já agora, abrir mais vagas para quem precisa de uma creche, de um jardim de infância ou de apoio para um familiar idoso ou com deficiência.

Muitas pessoas em Portugal sofrem por falta de serviços públicos e/ou sociais. Este Governo governa para alguns sectores, nomeadamente para a função pública, pensionistas, donos de hotéis e restaurantes; em detrimento de outros, nomeadamente dos pobres que não têm voz nem sindicato que lhes valha nem tão pouco dinheiro para pagar um Lar de Idosos privado, uma Instituição para pessoas com deficiência privada ou Hospitalização ou Cuidados Continuados privados. E em vez de termos uns representantes do Sector Social que lutem por este estado de coisas, verificamos que é exactamente o contrário. Quem pode valer então a este sector?

O mais triste disto tudo é que são precisamente as pessoas que mais necessitam, que mais prejudicadas são pela ausência ou falta de qualidade dos serviços públicos e/ou sociais, aquelas que dão o voto àqueles que são os causadores deste tipo de políticas. Eu diria que os portugueses são os “escravos da caverna” (na Alegoria de Platão).

E assim vamos alegremente a caminho de ser a Venezuela da Europa. Sector privado a desinvestir e a fugir daqui para fora e a pobreza a aumentar.

José António Bourdain