As figurinhas do ano

Não é impossível que o dr. Rio ganhe as eleições. Pelos vistos, uma quantidade razoável de portugueses acha-o diferente do dr. Costa e preferível a este. O dr. Rio nega.

António Costa. Como em 2020, fez o que quis: fechou e “libertou” [sic] os cidadãos quando lhe apeteceu, decidiu qual era a “ciência” em que devíamos “acreditar”, arruinou uma minoria de cidadãos mediante restrições e empobreceu a maioria através de impostos, aproximou o país dos padrões romenos de vida e excelência, prosseguiu o projecto de conquista da sociedade pelo Estado e de conquista do Estado pelo PS. Em suma, continuou a abençoar-nos com lucidez. E sem sombra de escrutínio, já que ninguém ousa arriscar o consenso patriótico ou o emprego. Pelo seu lado, o renomado democrata não aprecia prestar contas. Também por essa inclinação de carácter, o dr. Costa cansou-se dos dois partidos comunistas e, dado que o eleitorado aprecia trela e miséria, achou-se glorificado pelas massas a ponto de forçar eleições antecipadas. Daqui a um mês, será julgado nas urnas – o que nesta terra não mudará muito. Merecia ser julgado em tribunal – o que nesta terra não mudaria nada.

Eduardo Cabrita. É plausível que o dr. Cabrita integre uma experiência de psicologia social: apurar até que que grau de iniquidade um povo sem grandes tradições democráticas tolera um governante. A coisa foi sempre a crescer. Em 2019, houve a divertida corrupção das golas anti-fumo. Em 2020, o SEF torturou até à morte um desgraçado. Em 2021, o dr. Cabrita subiu a parada e seguiu ele próprio no carro que atropelou um trabalhador das auto-estradas, proeza embelezada por calúnias, manipulações, ocultações e outras sujidades subsequentes. Em Dezembro, o espécime lá se demitiu. Demorou seis meses.

Gouveia e Melo. O vice-almirante, entretanto sem prefixo. Começou o ano numa obscuridade submarina. Convocado a substituir uma sumidade marxista na vacinação, vestiu camuflado e, tendo dado conta da tarefa, excitou milhões de pasmados. No fim do Verão, a tarefa acabara. O vice-almirante não. Obstinadamente avesso à política e à exposição, o homem apresentou múltiplas ameaças de candidaturas, de ministro a presidente, e não voltou a sair da frente das câmaras. A ver se sai, recentemente empurraram-no à bruta na hierarquia. Além das fardas, o ex-vice-almirante é sobretudo celebrado pela coerência. Proclamou a vitória sobre um vírus que continua aí. Recusou a vacinação de crianças que a seguir promoveu. Insultou os “negacionistas” que não “seguem a ciência” e, consta, mantém relações próximas com a “reflexoterapia” e a “aromoterapia”. É de exemplos assim que o país carece.

Graça Freitas. Nos cargos de nomeação da administração pública, o Princípio de Peter não costuma precisar de promoções para ser aplicado. Quando, conforme acontece na maioria das vezes, a nomeação provém do PS, é razoável esperar que o sujeito já seja incompetente ainda antes de começar a carreira. As organizações estatais estão repletas de criaturas radicalmente ineptas para a função que desempenham (e, aposte-se, qualquer função). Em geral, não notamos a respectiva existência, embora a paguemos do nosso bolso. A dra. Graça Freitas viu-se na extraordinária situação de ser exposta por circunstâncias extraordinárias: de repente, o desempenho dela ficou à vista, e tornou-se um espectáculo que dura vai para dois anos. De início, espantava. A certa altura, passou a irritar. Agora aquilo só provoca pena, pena sincera.

Marcelo Rebelo de Sousa. Não sei se alguém se lembra dele. Sorria para “selfies”. Mostrava-se regularmente em cuecas e a banhos. Permitia que o governo trucidasse habitualmente a legalidade e a decência a pretexto da Covid e do que calhava. Dizem que é presidente da República. Não? Não ocorre nada? Bem, o prof. Marcelo foi reeleito no início do ano e dizia-se que a “liberdade” do segundo mandato inspiraria enfim uma atitude responsável. Naturalmente, chega ao final de 2021 com a autoridade e a presença de um ectoplasma. De tanto legitimar o dr. Costa em tudo, o prof. Marcelo acabou por legitimar o dr. Costa a dispensá-lo definitivamente. A dissolução do parlamento e o funeral da “estabilidade” enterraram uma carreira simpática. Da última vez que o vi, tentava soprar um fósforo através da máscara. Isto deve conter uma espécie de analogia.

Pedro Nuno Santos. Ao que consta, é a esperança do PS. Calma, que não terminei: o “Pedro” é a esperança do PS em ter como chefe um sócio espiritual, e talvez não só, do Bloco de Esquerda. Se este portento consumar a subida ao poder, a “bolivarização” do país deixa de ser um efeito secundário da governação socialista para se transformar num objectivo assumido. Ganha-se em clareza o que se perde em meios de subsistência.

Rui Rio. Passou anos a redefinir o papel de líder de oposição: doravante um sujeito que não se opõe. Ao que tudo indica, prepara-se para redefinir o papel de candidato a primeiro-ministro: um sujeito que não se opõe e dedica a campanha a tentar seduzir, em vão, o adversário directo. Apesar de, ou graças a, tamanhas originalidades, não é impossível que o dr. Rio ganhe as eleições. Pelos vistos, uma quantidade razoável de portugueses acha-o diferente do dr. Costa e preferível a este. O dr. Rio nega.

Alberto Gonçalves, in O Observador

Bem vindos ao primeiro ano da civilização dos pacientes

Os pacientes não criticam, acreditam – precisam de acreditar – que se cumprirem serão salvos. A sobreposição com o discurso religioso não é casual.

Não é coincidência qualquer semelhança com a entrada num hospital a nossa vida nesta passagem de 2021 para 2022, à espera dos efeitos de uma vaga Omicron que, garantiam, nos ia matar aos milhões: passámos de cidadãos a pacientes, a política adquiriu o modo de funcionamento das urgências hospitalares, os políticos não prestam contas, dão instruções que, dizem, nos vão salvar. (E quem não se quer salvar?) Vivemos agora com o tempo suspenso do universo hospitalar. Tudo fica para depois. Agora vamos salvar-nos. Os pacientes não criticam, acreditam – precisam de acreditar – que se cumprirem serão salvos. A sobreposição com o discurso religioso não é casual.

Uma das primeiras coisas que se aprende quando se entra num hospital é que se fica desligado da realidade exterior: o trabalho não conta, a escola fica para depois, o tempo e os compromissos ficam suspensos. A desconexão com o mundo exterior é a regra. Nada existe para lá daquela bolha. Não há horas nem prazos: tudo se submete à lógica imperscrutável dos horários dos tratamentos, das consultas e dos exames. À simples pergunta: a que horas posso obter esta ou aquela informação? Surge aquela absurda resposta: Passe por cá depois. Venha falar comigo. Quando? Amanhã de manhã? A que horas começa essa manhã? Quando acaba? Onde se pode falar? São horas e horas perdidas num corredor, ou melhor à espera que passe o tal médico, o enfermeiro…

Só que agora essa regra do tempo suspenso dos serviços hospitalares aplica-se a toda a nossa vida: as escolas abrem uma semana mais tarde em Janeiro. Ou se calhar duas semanas mais tarde. Para ir ao restaurante ao fim-de-semana temos de fazer um teste. E ao teatro? Também… Não, não é assim. Isso era na semana passada. Temos de nos vacinar para recuperarmos a nossa vida normal mas depois acabámos a não ter a vida normal, a levar mais vacinas e até a excluir das actividades escolares as crianças que não se vacinaram, pois as crianças que não sofrem da doença têm de se vacinar para proteger os mais velhos que apesar de estarem vacinados não estão protegidos. Complicado? No mundo dos pacientes não há lugar para dúvidas nem para o ridículo: temos a polícia atrás de nós para evitarmos os ajuntamentos que se sabe serem fatais, à excepção dos ajuntamentos para verificarmos se estamos infectados.

Este poder de suspensão da vida de cada um estava outrora reservado à Justiça que, sublinhe-se, nas democracias têm de estar mandatada para tal e mesmo assim temos mecanismos para a contestar. Ou quando a doença nos levava a entrar no universo hospitalar. Quer num caso, quer noutro contavam-se os dias em que finalmente lhes viraríamos as costas. Ora o que o combate a esta pandemia veio mostrar mais uma vez foi como em nome da saúde se conseguem aplicar medidas em massa que nunca aceitaríamos por causa doutras ameaças e que, mais perturbante ainda, o regresso à vida real passou a ser visto como um perigo, pois o povo, agora transfigurado em paciente, confina e isola-se para se salvar em vez de pedir responsabilidades a quem governa. O objectivo de viver, já nem falo do objectivo de viver melhor de que os portugueses já desistiram ou foram “desistidos” por décadas de socialismo, deu lugar ao ir vivendo.

Aos pacientes os governos não prestam contas. Dão-lhes instruções e os pacientes lá vão aturdidos quais utentes de uma urgência hospitalar com o rol de cuidados a cumprir. Não interessa se as instruções de hoje entram em contradição com as de ontem e as de ontem com as de anteontem, o que conta é que têm sempre de ser cumpridas escrupulosamente. Obviamente se algo falhar isso deve-se exclusivamente à falta de rigor na interpretação da posologia: tomou o comprimido das 8h 15m às 8h 25m? Bebeu água antes da toma ou depois?… Claro que só podia correr mal! O mesmo se passa agora com as nossas vidas: o vírus propaga-se porque nos esquecemos de colocar a máscara numa praia deserta, porque comemos uma sandes dentro do carro, porque quisemos ir ao supermercado num sábado às 15h 15 quando se sabe que o vírus começa a circular imediatamente após as 15h…

No mundo dos pacientes nada parece absurdo, pode quando muito parecer insuficiente. Como símbolo dessa falta de racionalidade do universo dos pacientes ficou-me a indignação de uma profissional de saúde perante a fatia de bolo comida no seu aniversário por alguém que, entre outras e muito mais graves doenças, também tinha diabetes. Na verdade também tinha poucas semanas de vida e a técnica sabia-o mas, mesmo assim, explicava imbuída das melhores intenções, devíamos atender aos diabetes! Felizmente nunca soube do jantar de morcelas e da sopa de feijão! Tudo isto aconteceu obviamente antes desta pandemia, mais precisamente há dez anos (o tempo passa vertiginoso quando as perdas dos que amamos começam a marcar a cronologia da nossa vida) num tempo em que se admitia a divergência. Agora seríamos tratados como negacionistas!

O arrazoado de absurdos constituído pelas medidas tomadas durante esta pandemia teria suscitado a revolta, a crítica ou o simples desprezo por parte dos cidadãos se a reboque desta pandemia estes não tivessem sido protagonistas de uma alteração civilizacional profunda: a que os transformou em pacientes.

Depois de quase dois anos a assistirmos a anúncios desmentidos na semana seguinte sem que nada acontecesse aos seus protagonistas a não ser o crescimento do seu autoritarismo – desde o vírus que, garantiam os especialistas da UE, não ia chegar cá, depois que chegando não ia ser grave, dizia a mesma UE, ou que era uma catástrofe, obviamente segundo a mesma UE, ou das máscaras que, afiançava a directora Geral da Saúde, davam uma falsa sensação de segurança e que depois a mesma directora tornou obrigatória para que a segurança fosse total, mesmo que estivéssemos sozinhos no meio da praias – é difícil entender notícias como esta vinda de Itália, em 2012: Cientistas acusados de subestimarem sismo condenados a prisão”. O caso conta-se assim: a 6 de Abril de 2009, um sismo de magnitude 6,3 atingiu L’Aquila e as cidades mais próximas. Morreram 309 pessoas. Milhares ficaram desalojadas. Ora, a 31 de Março de 2009, seis dias antes do sismo acontecer, a Comissão Nacional para a Previsão e Prevenção de Grandes Risco esteve reunida em L’Aquila. No final da reunião, o então subdirector do Departamento de Protecção Civil de Itália declarou que não havia “nenhum perigo”: A comunidade científica assegurou-me que estamos numa situação favorável devido à libertação contínua de energia sísmica.” E quando lhe perguntaram se as pessoas podiam relaxar e “beber um bom copo de vinho”, ele respondeu “absolutamente”. Seis dias depois, a 6 de Abril, acontece o sismo.

É então que surge a acusação aos membros da comissão pois, no entendimento do Ministério Público de L’Aquila, a comissão apenas transmitiu “informações banais, inúteis, autocontraditórias e falaciosas” e não indicou medidas de precaução. (Va lá, mesmos os mais incrédulos têm de admitir que estas palavras do Ministério Público de L’Aquila tinha alguma coisa de profético!!!) Ao argumento de que é impossível prever o dia, a hora, o epicentro e a magnitude de um sismo contrapunha o procurador Fabio Picuti que o contrário também válido: “Sei que eles não conseguem prever sismos. A base da acusação não é que eles não conseguiram prever o sismo. Como funcionários do Estado, tinham certas obrigações por lei: avaliar e caracterizar os riscos em Áquila.” Seis cientistas e o responsável da Protecção Civil foram condenados a seis anos de prisão por “homicídio por imprudência“. A condenação destes cientistas foi felizmente anulada numa instância superior em 2014, afinal eles podem ter exagerado ao procurar passar uma mensagem de tranquilidade à população mas não é de facto possível prever um sismo.

Ora nada de equivalente tem acontecido nesta pandemia. Entre o subestimar inicial da gravidade do vírus (muito mais fácil de prever que um sismo) em Janeiro de 2020 à presente onda de pânico, além da evidente diferença de reacção quando a ameaça vem da China ou do continente africano, temos vivido rodeados de “informações banais, inúteis, autocontraditórias e falaciosas” para usar as palavras do promotor italiano. A primeira pergunta que nos assalta quando comparamos o acontecido em 2012 em Itália com o presente é: se aplicássemos a mesma grelha de exigência aos responsáveis nacionais e internacionais que têm acompanhado esta pandemia por esse mundo fora quantos milhares de condenações teríamos?

Mas mais importante é a questão: o que mudou com esta pandemia? O que leva a que em 2022 se procurassem apurar responsabilidades num caso quase impossível de prever como é um sismo e agora aceitemos termos a nossa vida suspensa sempre com um sentimento de culpa de quem falhou em algum procedimento perante a evolução de um vírus? O facto de tudo aquilo que outrora serviu para nos ajudar a viver melhor, como a ciência, o progresso e os serviços de saúde, se terem transformado em meios que acrescentaram primeiro a nossa dependência e depois a nossa subserviência.

Neste 2022 que agora começa estamos a viver os primeiros tempos de uma nova civilização, a civilização dos pacientes.

PS. Com um gráfico, no caso copiado de Le Figaro, talvez se perceba melhor: estes são os números do carros incendiados em França na noite da passagem de ano desde 2002. Aos automóveis há que adicionar as lojas destruídas, o mobiliário urbano reduzido a cacos, os tiros de morteiro, as agressões a bombeiros e polícias. Este ano estima-se que tenham sido 900 as viaturas queimadas na passagem do ano. Por cá, sobre este assunto impera a mais eficaz das censuras: a auto-censura.

Helena Matos, in O Observador

O carvão e a eletricidade

Portugal acabou com o carvão na produção de eletricidade enquanto a Alemanha o mantém. Os Verdes, agora no Governo, estarão invejosos do nosso país, o qual lidera a descarbonização a nível europeu, quiçá mundial, mas emite apenas 0,15% do CO2 mundial, enquanto se bate com a Bulgária para ser o mais pobre da União Europeia…

A EDP fechou Sines, a unidade a carvão mais eficiente e limpa da Península Ibérica, quando os custos de produção da eletricidade a carvão eram mais elevados do que os custos com as centrais a gás natural (GN) devido aos encargos com a emissão do CO2 serem no carvão superiores aos do GN. Mas com o disparo do preço do GN, para preços deste de €92/MWh térmico e do do carvão de $240/tonelada e com o CO2 em €60/tonelada, a situação inverteu-se com um diferencial a favor do carvão de €57/MWh.

Neste contexto, a Agência Internacional de Energia estima para 2021 um recorde mundial na produção de eletricidade pelo carvão. Na Alemanha, o carvão será responsável por mais de 25% da eletricidade produzida.

Neste contexto, a Agência Internacional de Energia estima para 2021 um recorde mundial na produção de eletricidade pelo carvão. Na Alemanha, o carvão será responsável por mais de 25% da eletricidade produzida.
A Agência Internacional de Energia estima para 2021 um recorde mundial na produção de eletricidade pelo carvão. Na Alemanha o carvão será responsável por mais de 25% da eletricidade produzida

O fecho agora da central a carvão do Pego retira flexibilidade a um sistema que fica unicamente dependente do GN como backup térmico em termos de potência e até em energia, essencial em ano seco, encarece de forma significativa os custos de produção da eletricidade devido ao diferencial atrás referido a favor do carvão e põe mesmo em causa a segurança do abastecimento.

Em Portugal tínhamos em 2020 uma capacidade instalada com carvão de 20.413 MW e sem carvão de 18.657 MW para uma ponta máxima de consumo de 9888 MW verificada em janeiro de 2021 à hora de jantar. Ora, a essa hora não há sol, e portanto a contribuição da energia solar é nula, enquanto a contribui¬ção da eólica em termos de potência disponível, a chamada potência firme, será estatisticamente apenas de 7% da capacidade instalada. Fazendo através dessa análise estatística as contas para todo o sistema produtor, obtém-se uma potência firme com as centrais a carvão de 10.048 MW a essa hora e de apenas 8379 MW sem elas, o que será manifestamente insuficiente para cobrir a referida ponta de consumo de 9888 MW. Num contexto em que os franceses vão parar 14 grupos nucleares, levando a um inverno extremamente difícil, não podendo ajudar a Península Ibérica, e em que Espanha já pediu à EDP e à Endesa para reativarem centrais a carvão e poderá também não ter condições para nos ajudar se tivermos um inverno muito rigoroso, o fecho do Pego foi muito imprudente!

in O Observador

O salário mínimo e a ilusão de justiça

O aumento do salário mínimo está a criar incentivos perversos e injustiças que não se vêem. O combate à desigualdade e aos salários baixos não se faz assim

O salário mínimo terá tido em 2022 um aumento de 39,6% em relação a 2015, passando de 505 para 705 euros. A produção portuguesa deverá crescer, no mesmo período, 12,4%, levando em conta os dados e previsões da Comissão Europeia. Um cabaz de cem euros em 2014 custava no ano passado 103,8 euros, de acordo com os dados do INE para a inflação, podendo atingir os 107.8 euros se admitirmos uma subida de preços da ordem dos 4% em 2021 e 2022. É difícil encontrar um dado na economia que justifique a subida de quase 40% do salário mínimo em seis anos. E estas inconsistências pagam-se, como já sentimos violentamente na pele quando o excesso de dívida nos condenou quase à bancarrota em 2011.

Mas é justo, dirão. Claro que é justo. O salário mínimo é demasiado baixo em Portugal, como aliás os salários em geral. Infelizmente a justiça duradoura não se constrói assim. A pergunta é: terão as empresas capacidade para pagar esse salário? A resposta é “não”. E é tanto negativa quanto o próprio Governo o reconhece e tem reconhecido desde 2015, ainda com Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, criando mecanismos para compensar esta subida.

O primeiro modelo, com Pedro Passos Coelho, passou por uma redução na Taxa Social Única para compensar a subida do salário mínimo. António Costa, na primeira legislatura, tentou fazer o mesmo, mas o PCP e o BE votaram contra assim como o próprio PSD, na altura ainda liderado por Pedro Passos Coelho. Entrou-se então na via de dar dinheiro às empresas.

No próximo ano, em que o Governo decidiu aumentar o salário mínimo de 665 euros para 705 euros, serão pagos 112 euros anuais por trabalhador que receba hoje a remuneração mínima e 56 euros para quem receba abaixo do novo valor e acima do actual. Diz o Governo que espera gastar 100 milhões de euros do Orçamento do Estado com esta medida de compensação que também já foi aplicada este ano. Mas em 2021 gastou apenas 33 milhões de euros abrangendo pouco mais de 80 mil empresas.

A primeira questão que se coloca é esta: se o Governo sabe que as empresas não têm capacidade para pagar aumentos do salário mínimo desta dimensão porque é que o sobe? Por razões de política pura.

A segunda questão é: até quando vai o Orçamento do Estado continuar a compensar as empresas pela subida do salário mínimo? Para sempre? Com que objectivo? E tem consciência das distorções que cria ao seguir esta política?

Embora o montante de 2021 tenha acabado por não ser significativo – em média deu pouco mais de 400 euros anuais por empresa –, o sinal que se dá é: paguem o salário mínimo que nós pagamos uma parte. Existe aqui um incentivo, mínimo que seja, para que as empresas mantenham essa sua política, como refere Pedro Sousa Carvalho aqui, nas Contas do Dia, na Antena 1.

Mas se falarmos com quem vive quotidianamente os problemas das empresas, há problemas mais graves que podem até estar a alimentar injustiças e desigualdades.

As empresas, nos seus orçamentos, definem em geral uma dotação para aumentos salariais. Um aumento da massa salarial de 6% – o crescimento do salário mínimo em 2022 – é bastante significativo nos tempos que correm. Tal significa, como alerta quem está ligado à gestão das empresas, que todo o orçamento para aumentos salariais pode ficar esgotado nas pessoas com salário mínimo, não se fazendo actualizações aos outros trabalhadores. E assim se cria uma injustiça, prejudicando os mais qualificados. Este condicionalismo já começa a ser visível nos grandes números, com o salário médio a aproximar-se do salário mínimo.

Repare-se que este tipo de política gera ainda o risco de desincentivar a qualificação. Como a diferença salarial por mais formação pode ser mínima, em qualificações médias, o que o Governo acaba por estar a fazer é a desincentivar a formação. Na prática, está a replicar no sector privado aquilo que já se fez na administração pública – os salários mais baixos são relativamente elevados quando comparados com o sector privado, enquanto os quadros superiores estão mal pagos. O que, como tem sido dito e há muito diagnosticado, tem criado dificuldades de atracção de pessoas qualificadas para o Estado. As empresas vão acabar por ter exactamente o mesmo problema. E, se conseguirem, aumentam os outros salários, se não conseguirem, morrem. A prazo é isso que pode acontecer, na linha com o que se tentou fazer no passado, como veremos adiante.

Depois temos as actividades cuja receita, e por vezes também a despesa, está praticamente pré-definida, como acontece nos contratos públicos. É um problema especialmente grave nos transportes e no sector social, como alerta quem conhece os sectores. Como o Governo depois não revê esses contratos, o que está a fazer é a estrangular essas actividades. O resultado, em algumas empresas, é o abuso das pessoas que lá trabalham – e eis uma nova injustiça.

Mais uma vez o Governo respeita a sua grande linha de acção: tomar decisões com enorme impacto mediático e político e desprezar todos os outros efeitos. Há um limite para este tipo de actuação e, é inevitável, vamos pagar estes erros.

Se a ideia é forçar o aumento dos salários através do salário mínimo, então era preciso levar esta subida até às últimas consequências. Forçar, através do salário mínimo, a melhor gestão ou à morte. Na prática seria usar o salário mínimo para fazer uma espécie de “valorização competitiva”, numa política muito semelhante à defendida, na primeira metade da década de 90 do século XX, pelo então vice-governador do Banco de Portugal António Borges. Na altura, defendeu a valorização do então escudo como forma de forçar as empresas a serem mais competitivas. E as que não conseguissem, morriam. Pode ser um exagero, mas as propostas de aumentos do salário mínimo do PCP – que levaram até ao chumbo do Orçamento – correspondem, nas suas grandes linhas, àquilo que António Borges tentou fazer.

Todos sabem que o caminho não é por aqui. O aumento do salário mínimo resolve o problema das pessoas que o recebem – o que obviamente não é pouco –, mas resolve-o a curto prazo. Porque todos sabem que esta via não é duradoura e, mais cedo ou mais tarde, veremos, outra vez, o salário mínimo congelado se a economia continuar a registar uma taxa de crescimento da ordem dos 2%.

O Governo tem responsabilidades neste beco em que nos está a meter – até porque tem decidido unilateralmente estes aumentos, sem qualquer acordo na concertação social, como devia acontecer. Mas os empresários e os sindicatos também. Há medidas que os empresários deviam fazer questão que se adoptassem e que, essas sim, tinham condições para nos tirarem deste crescimento medíocre. Entre essas medidas estão os custos associados à burocracia que enfrentam, os custos da falta de qualidade dos serviços públicos, muitos deles mais virados para dentro do que para fora, os custos associados aos tribunais administrativos e fiscais.

A falta de coragem política e a mão estendida de uma parte da classe empresarial explicam a naturalidade com que se aceita que o aumento do salário mínimo seja pago com os impostos dos portugueses, com que se aceitam os efeitos negativos desses aumentos na justiça interna das empresas e até na sua capacidade de garantir os serviços que o Estado contratou.

O que acontece atrás do pano do teatro do aumento salarial não parece importar a ninguém, não importa que alguns trabalhadores sejam ainda mais explorados, para se garantir o contrato com o Estado, que não o actualiza para fazer face ao aumento do salário mínimo, não importa que todos os outros que estão na empresa, até com mais qualificações, não sejam aumentados, não importa, ainda, que todos saibam que a prazo nenhuma economia a crescer 12% em seis anos aguenta aumentos de salários mínimos de 40%. A justiça e o combate contra a desigualdade não se conseguem assim.

Helena Garrido, in O Observador

Manifesto socialista em defesa de Rui Rio

“Como é sabido, o nosso PM – como todos os grandes líderes – não tem paciência para quem dele discorda, não tolera perguntas impertinentes, não suporta, enfim, certas regras da Democracia. Jornalistas atrevidos, idosos que perturbaram a sua campanha eleitoral, deputados ignorantes e a GALP já perceberam que sem respeitinho o caldo entorna.”

Nós, os socialistas, manifestamos a nossa solidariedade ao nosso camarada em apuros Rui Rio.

Como nunca abandonamos os nossos feridos em combate – excepto quando vão parar à cadeia ou dizem o que não devem -, levantamo-nos agora em defesa do nosso melhor aliado para nos mantermos no poder. Porque, pela primeira vez na História da Democracia, Rio mostrou como se faz oposição ao PS: não se faz! A oposição aos governos do PS é a oposição a Portugal. O regresso do Fascismo, da Troika e das Entidades Reguladoras independentes; a possibilidade dos portugueses acordarem e perceberem que existe outro rumo; e outras chatices. Com coragem e sentido patriótico, Rio compreendeu-o bem e fez oposição a quem deveria fazer: à Direita e aos seus críticos dentro do PSD.

E a isto chama-se oposição responsável.

Desse modo, Rio percebeu também que se fez o 25 Abril para rumarmos ao Socialismo e, como tal, o lugar da Direita que com magnanimidade a Esquerda lhe esmola é ficar sentada num canto, aplaudir quando lhe mandam e baixar a cabeça para levar uns cachaços quando se porta mal. Responsável e obediente, Rio auxiliou-nos sempre nas horas difíceis e conseguiu ainda dividir e rebaixar a imagem do seu partido como nunca antes se vira.

É obra.

Como é sabido, o nosso PM – como todos os grandes líderes – não tem paciência para quem dele discorda, não tolera perguntas impertinentes, não suporta, enfim, certas regras da Democracia. Jornalistas atrevidos, idosos que perturbaram a sua campanha eleitoral, deputados ignorantes e a GALP já perceberam que sem respeitinho o caldo entorna. E como Rio se identifica com este ideário de reverência, submissão e traulitada, tratou de o livrar daquela maralha do Parlamento que pretendia incomodá-lo quinzenalmente pedindo-lhe contas sobre a governação. Mostrando uma vez mais ser responsável, Rio argumentou que o PM tem mais do que fazer do que aturar deputados e não faltam exemplos na História de governantes e caudilhos que nunca puseram os pés num Parlamento – ou se o fizeram foi para ouvir aplausos.

Logo, Rio não poderia ser mais nosso amigo. A amizade do PCP e do BE esconde uma faca afiada atrás das costas. Mas com Rio não há surpresas – é o nosso homem de confiança. Acaricia a rosa e colhe os espinhos para os espetar nos seus críticos.

O problema é que no PSD há quem lhe queira calçar uns patins e pô-lo a mexer. Ora como sabemos, o PSD é um perigo – volta e meia derrota-nos nas eleições e por vezes conserva o poder durante anos, levando ao desespero os camaradas que nada mais sabem fazer nada vida. Cavaco escreve um artigo e tremem-nos as orelhas; Passos ameaça voltar e dá-nos um chilique. Por isso, não podemos perder este aliado. E, sabendo como a comunicação social e as universidades estão dominadas por liberais que denigrem a nossa doutrina, neste clima adverso ao Socialismo há que cerrar fileiras e envidar todos os esforços para que Rui Rio se torne presidente vitalício do PSD.

Camarada Rio, aguente-se! Rangel não vale um pincel e nós não vamos ficar de braços cruzados.

João Cerqueira, in SOL.pt

Orçamento Frankenstein até já mete ‘rebajas’

O orçamento Frankenstein é o preço que Costa está a pagar pela sua arrogância de seis anos.

Lendo, ouvindo e vendo os media, fica-se com a impressão que o governo anda no Orçamento como diz o ditado chinês, a tentar matar cinco pulgas com os cinco dedos da mão. Tarefa impossível. O Orçamento minoritário, com as pressões PC, BE e PAN, vai de geringonça a desengonço, monstro de Frankenstein, feito de bocados de corpos alheios: fica em condições de passar! É a isto que Costa, Marcelo e Marques Mendes chamam política ‘racional’. Para eles, um partido votar contra o Orçamento alheio, que não aprecia, é ser ‘irracional’. A este ponto chegou a ‘racionalidade’ da demagogia.

O Orçamento Frankenstein é o preço que Costa está a pagar pela sua arrogância de seis anos, que esta semana tentou iludir ao prometer, ele!, ser humilde (durante oito dias, pela certa!). Poderia ter o apoio do PSD de Rio, mas foi tão arrogante que, no passado, disse “jámé” a essa possibilidade. Ao fechar essa porta, vê-se obrigado a escancarar portas, portadas e janelas do Orçamento Frankenstein aos camaradas de desengonço, em especial a porta da despensa, onde guardava uns trocos para acorrer a alguma aflição. Adia a aflição financeira, fica com a aflição política, que o levou a aprovar medidas sem sequer informar, como devia, a Concertação Social. Toca de pedir desculpas de mau pagador. Horas antes, o ministro das Finanças chamou os media, para lhes vender a medida do desconto nos combustíveis para as míticas ‘famílias’, que só nesta altura do ano aparecem no discurso político. Leão parecia à porta da loja anunciando saldos ou ‘rebajas’ — “aproveitem! É só até Março!” — no preço da gasolina, tudo menos baixar o imposto dos combustíveis, o tal que chega aos 60% por litro. A ‘rebaja’ não seria desconto imediato, mas mais do tipo desconto em cartão, para quem se desse ao trabalho de tratar do assunto.

Entretanto, Marcelo está tão nas mãos do governo que é Costa quem parece presidente da República e ele, coitado, faz figura de perpétuo compère comentador político aprovador de tudo o que Costa faz. Vamos vendo nos ecrãs este teatrinho cómico, que eles fingem ser drama, como se o processo democrático fosse um drama.

Temos sido um país sem presidente da República, sem o maior partido da oposição e com um governo minoritário que assalta todos os poderes em todas áreas e em todas as instituições. A situação é bizarra, mas fingem todos que não é, e lá vamos pagando e rindo. Com o Orçamento nota-se a bizarria, porque pode fazer cair o governo. Daí Costa ter de fingir humildade por uns dias. Mas, passando o Orçamento, voltará o mesmo, em pior. O monstro de Frankenstein também deu para o torto.

À mulher de César não basta ser desonesta
ARTP reinventou um famoso provérbio. Ficou assim: à mulher de César não basta ser desonesta, deve também parecer desonesta. O ‘Sexta às 9’ noticiou as sabidas suspeitas de, com o filho, Florêncio Almeida, da Antral, lavar ex-milhões do aldrabão Rendeiro; Almeida recusou falar ao programa, alegando problemas de coração. Três dias depois, foi ao ‘Bom Dia Portugal’, pois fez ‘combinação’ com o ‘jornalista’ coordenador do programa: zero perguntas sobre as negociatas. Zero, sim, o grau zero, a degradação total de valores humanos, éticos e deontológicos do jornalismo, dum canal de TV e do programa matinal.

Entretanto, a RTP paga a um membro de nomeação governamental, Pedro Adão e Silva, para comentar, com se fosse independente. A Direcção decerto partilha os mesmos valores éticos de Adão. A este permitem-lhe que seja tudo ao mesmo tempo, pois tem o tacho oficial e comenta noutros media em simultâneo. Está no Paraíso: é Pedro, Adão e Eva.

Esqueçam lá o Aristides, falemos de mim
A homenagem a Aristides de Sousa Mendes no Panteão terminou assim: António Costa a falar para as TV durante 27 a 31 minutos sobre si, sobre o governo, sobre as suas coisinhas do dia-a-dia. Meia hora! Meia hora em todos os canais de notícias. Qual Aristides! Qual homenagem! A degradação do sentido de Estado de Costa passou por osmose à TV.

Eduardo Cintra Torres, in CM Jornal